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sexta-feira, 22 de novembro de 2013

FENOMENOLOGIA - A Ineficácia das Garantias No Direito Penal Italiano

 

Alexandra de Oliveira [1]

SUMÁRIO

O tema proposto neste trabalho, aborda a proposta oferecida pelo professor Luigi Ferrajoli acerca de uma norma oferecida pelo Estado que possa garantir os direitos individuais dos cidadãos como uma nova perspectiva de direito, e estabelecendo bases conceituais e metodológicas sendo que tais pressupostos estabelecidos no direito penal, sejam aplicados a todos os ramos do direito.

PALAVRAS CHAVE

Classes perigosas e pessoas perigosas - Código Rocco - Eficácia - Emergência penal - Extra delictium ou Extra iudicium - Medidas de polícia - Medidas de prevenção - Medidas de segurança - Normatividade e eficácia - Ordem pública – Pena - Pena incerta e desigual - Pessoas perigosas - Poder de policia - Poder instrutório - Polícia judiciária - Principio de estrita legalidade - Prisão em flagrante.

INTRODUÇÃO

A proposta do professor Luigi Ferrajoli é uma norma em que o Estado garanta os direitos dos indivíduos. É uma nova perspectiva para o Direito, que no âmbito penal, deveria punir o mínimo possível.

O sistema Garantista italiano, objeto deste presente ensaio, possui boa forma regulamentadora, porém não alcança a eficácia desejada. Registra-se um descompasso muito grande entre a normatividade e a efetividade, pois a existência da norma por si só, não é certeza de validade.

O Estado Democrático de direito tem por fim precípuo, preservar os direitos e garantias fundamentais individuais, mas a práxis revela uma imensa lacuna em termos de implantação de tais garantias.

A primeira parte do presente artigo abordará o subsistema penal ordinário, dando ênfase à questão da normatividade e eficácia da norma penal no Direito Penal Italiano, desenvolvendo sugestões sobre o crime, a pena e o processo penal, finalizando com uma proposta de mudança de paradigma para um direito penal mais eficiente.

A segunda e última parte do trabalho, abordará questões acerca do subsistema penal de policia com breves indicações e reflexões sobre o procedimento penal italiano, assim como o código e outras leis especiais atribuídas a policia judiciária.

DESENVOLVIMENTO DO CONTEÚDO

Em que pese o aumento dos índices de criminalidade vividos não só na Itália, mas em quase todos os países do mundo, a exagerada intervenção do Estado no campo penal, não encontra justificativa.

A função do direito na sociedade, conforme leciona Bobbio[2] é ser instrumento útil para atingir os mais variados fins, porque direito não é um fim, e sim um utensílio de meio. Precisamente como meio ele tem a função de permitir a consecução daqueles fins que não são alcançados por meio de outras formas de controle social.

Cabe então ao Estado a forma efetiva e eficaz de controle social, em nome deste controle, porém, direitos e garantias dos indivíduos acabam por violadas e ofendidas.

Registram-se flagrantes violações aos direitos individuais, comprometem a legitimidade do Estado Democrático de direito.

Da lição de Bobbio [3], extraímos que:

“O reconhecimento e proteção dos direitos do homem são a base das contribuições democráticas, e, ao mesmo tempo, a a paz é pressuposto necessário para a proteção efetiva dos direitos do homem em cada Estado e no sistema internacional.

[...]

Direito do homem, democracia e paz são três momentos necessários do movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e efetivamente protegidos não existe democracia, sem democracia não existe condições mínima para a solução pacífica dos conflitos que surgem entre os indivíduos, entre grupos e entre grandes coletividades tradicionalmente indóceis e tendencialmente autocráticas que são os Estados, apesar de serem democráticas com os próprios cidadãos.

O presente esboço visa uma análise das garantias penais no direito Italiano, especialmente no que se refere à eficácia das normas estabelecidas ordinariamente.

Acerca do subsistema penal ordinário, o autor aborda a questão da normatividade e eficácia no sistema penal italiano, considerando que a constituição de 1948 acolheu a limitação do poder primitivo do Estado, no intuito de aumentar as garantias individuais.

Contudo, vale ressaltar que muitas garantias do Sistema Garantista não foram recepcionadas pela Constituição Federal, o que resulta num ordenamento imperfeito. Tal imperfeição resulta na “perda de fato das garantias normativas estabelecidas em via de princípio.” [4]

Nas palavras de Ferrajoli “disto resulta um desencontro mais ou menos profundo entre a normatividade e efetividade que se manifesta sob a forma de antinomias entre normas e princípios e de nível superior e normas e práxis de nível inferior.” [5]

Verifica-se que a sociedade atribui como sendo a intervenção penal o principal meio de controle social, que na prática, não é meio adequado à solução de todas as mazelas sociais.

O resultado desta desilusão, sob o ponto de vista jurídico e filosófico, é uma profunda crise da jurisdição, cuja extensão maciça do direito Penal compromete todo o Sistema Garantista.

Relevante ressaltar, que o modelo penal garantista criminaliza “tipos de ações” e não “tipos de autores”; pune “por aquilo que se faz” e não “por aquilo que se é”, tendo o indivíduo a certeza que suas atitudes é que serão analisadas pelo juiz, independente de quem ele seja. Esta é uma certeza que o Estado Democrático tem a obrigação de dar ao cidadão.

A prática, contudo, revela que no plano da efetividade a realidade é outra. A prática judiciária e policial ainda guardam resquícios da ideologia autoritária, onde resta desprezada a observância do tipo penal, para levar em conta comportamentos do agente e fatos empiricamente discutidos, mas desprovidos de qualquer prova.

Assevera Ferrajoli, que a crise do direito Penal Italiano tem como um dos fatores o aumento indiscriminado da legislação que alargou desmensuradamente a esfera de proibições penais. Exemplo disso é a invasão nos setores administrativos, resultando num excesso desnecessário de injustificado de penalização.

Dentre as soluções apontadas pelo autor, destaca-se uma política de despenalização de todas as contravenções, assim como os delitos punidos com multa, o que vem a ser a política de um direito penal mínimo, capaz de satisfazer as necessidades daquele ordenamento de forma mais simples e penalmente mais econômica.

É certo dizer que as inúmeras leis se traduzem num emaranhado para os seus destinatários, o que não é o ideal, pois a efetividade da norma também está ligada à sua simplicidade, e a capacidade de ser compreendida por todos os cidadãos.

Neste contexto entende-se que uma política criminal adequada deve levar em consideração a real repercussão do delito cometido, não só para a vítima, mas para a sociedade de um modo geral.

Ilícitos de pequena proporção, que não tenham relevância penal, também não deveriam ter demasiada ênfase na legislação. Acrescenta-se, contudo, que isso não implica de maneira nenhuma na redução das garantias do cidadão, muito pelo contrário, vez que a correta e rápida aplicação de uma pena reflete para o cidadão de maneira mais efetiva.

Outro ponto importante a ser abordado é a diferenciação na aplicação da pena. Condenados por crimes idênticos recebem tratamento por vezes extremamente desigual, o que produz um efeito nefasto, refletindo não somente entre os detentos, mas em toda a sociedade, que acaba por desacreditar no sistema.

Neste contexto, aduz Ferrajoli [6]:

“Produziu-se em suma, uma diferença de tratamento baseada diretamente nas figuras e no rol social dos detentos: os seus trabalhos ou profissões, seus contatos externos, suas relações sociais e, em geral, o grau de interesse que advêm da solicitação da sua permanência no seu ambiente de procedência; sem contar que apenas a assistência de um defensor pode permitir o recurso aos complicados mecanismos e procedimentos arquitetados pela lei.

Prossegue o autor afirmando que desta diferença de tratamento que é dado aos encarcerados, decorre uma tipologia que separa os beneficiários dos discriminados, estabelecendo uma lacuna entre tais classes. As desigualdades relatadas são conseqüências diretas das diferenciações extralegais e extrajudiciais das modalidades de execução penal que leva em consideração o “tipo de preso” e refletem na conduta dos indivíduos tanto quando encarcerados como fora.

Outro ponto que merece enfoque é o reflexo do processo na vida do acusado. Para muitos, o simples existir do processo já é uma punição. Como exemplo disso, podemos citar o tão discutido instituto da prisão preventiva. Em muitos casos, o suposto infrator é até absolvido, mas as seqüelas são permanentes.

O que se dizer depois que o imputado foi acusado publicamente, através dos meios de comunicação, difamado e ofendido? Não só a honra restará abalada, mas a própria expectativa de vida e de trabalho. Isso sem falar que não há qualquer direito a defesa assegurado.

Bem aduz Ferrajoli [7] que:

Desta forma retomou-se nos nossos dias atuais a antiga função infamante da intervenção penal que caracterizou o direito penal pré-moderno, onde a pena era pública e o processo corria em segredo. Apenas a berlinda e o colar de ferro hoje foram substituídos pela exibição pública do acusado nas principais páginas dos jornais ou na televisão, e isto não após a sua condenação, mas após a sua incriminação, ainda quando o imputado é presumido inocente.

Nesta conjuntura há de se compreender então que não há na prática a garantia plena ao direito do cidadão, embora tais garantias e direitos estejam previstos legalmente.

Com muita propriedade, Rosa[8] explica que “diante da complexidade contemporânea, a legitimação do Estado Democrático de Direito deve suplantar a mera democracia material, na qual os Direitos Fundamentais devem ser respeitados, efetivados e garantidos, sob pena da deslegitimação paulatina das instituições estatais.”

A proposta de Ferrajoli funda-se justamente em amparar o indivíduo (ser mais frágil) dos poderes (abusos) que emanam do Estado, a fim de não serem cometidas injustiças.

Bobbio[9] faz uma afirmação extremamente condizente com a norma e a eficácia: “teoria e prática percorrem duas estradas diversas e a velocidades muito desiguais.”

Das leis penais italianas pode-se concluir que há muita preocupação com a reeducação e reinserção do indivíduo à sociedade, mas o que se constata na prática é diverso.

Ainda da lição de Bobbio[10], extraímos que se constata uma “enorme defasagem entre a amplitude do debate teórico sobre os direitos do homen e os limites dentro dos quais se processa a efetiva proteção dos mesmos nos Estados particulares e no sistema internacional”.

Nesta mesma esteira de ineficácia da norma, residem os efeitos pós-penais, os quais acompanham o indivíduo ao longo de sua vida, muitos inclusive pela vida toda. Dentre estas seqüelas podemos citar: o status de reincidente, os efeitos dos antecedentes judiciais para fins de determinação da pena, a impossibilidade de beneficiar-se no futuro da suspensão condicional da pena, dentre outras.

Tais efeitos nefastos nos remetem à lição de Morelly apud Ferrajoli [11] que assim se expressa:

Uma vez cumprida a pena, está proibido a todo cidadão fazer a menor reprovação à pessoa que sofre ou a seus parentes, de dizer às pessoas que o ignorem e ainda mostrar o mínimo desprezo em relação aos culpados, seja na sua presença ou na sua ausência, sob pena de receber a mesma punição que àquela foi dada.

Desta forma, faz-se necessário uma profunda reflexão acerca dos motivos que impedem a eficácia da norma, mas, sobretudo, precisamos entender que o acusado, especialmente o que já “pagou” a pena que lhe foi imposta, precisa ser visto como um cidadão comum, com o direito de retornar à sociedade e viver com dignidade.

Acerca do Subsistema Penal de Polícia, Ferrajoli aborda a função garantista de direito e processo penal como sendo um monopólio legal e judiciário da violência repressiva, as quais garantem por meio da força a defesa social.

E sendo a polícia uma atividade administrativa e dependente do Poder Executivo, conseqüentemente ligada a liberdades fundamentais, coloca-se entre a legislação e a jurisdição, desvinculada, portanto de legitimação.

Esta na feliz conceituação do ilustre Marcello Caetano, é o direito de intervenção administrativa da autoridade pública no exercicio das atividades individuais suscetíveis de fazer perigar interesses gerais, tendo por objeto evitar que se produzam, ampliem ou generalizem os dados sociais que as leis procuram prevenir.[12]

Contudo, sendo a função da policia judiciária a investigação de crimes e a execução de provimentos judiciais, estas deveriam ser apartadas de outros setores de policia e assim dotados de independência.

A polícia divide-se em administrativa ou preventiva e judiciária.

A primeira emprega sua vigilância em proteger a sociedade e seus membros, em assegurar seus direitos, evitar perigos, prevenir delitos e, finalmente, em manter a ordem e o bem estar público... Os seus serviços e mecanismos são mais da alçada do direito administrativo do que do processo criminal.

A segunda, ou judiciária, tem a seu cargo rastrear e descobrir os crimes que não puderam ser prevenidos, colher e transmitir as autoridades competentes os indícios e provas, indicar quais sejam os sues autores e cúmplices, e concorrer eficazmente para que sejam levados aos tribunais. [13]

O Código e outras leis especiais na Itália atribuem à polícia judiciária a titularidade de certos atos com poderes de iniciativa, enquanto para outros atos somente se delegado pelo Ministério Público.

No dizer de Tourinho Filho: “a polícia judiciária tem por finalidade investigar as infrações penais e apurar a respectiva autoria, a fim de que o titular da ação penal disponha de elementos para ingressar em juízo”.[14]

Ao abordar acerca dos abusos judiciários o autor considera que o cárcere aflitivo da sentença deveria ser reduzido ao mínimo, pois a mesma não possui caráter necessariamente punitivo e sim preventivo ou cautelar.

Ressalta-se que, as medidas de segurança introduzidas pelo Código Penal de 1930, colocando-se ao lado do sistema de penas, denominaram-se “dualista” ou “duplo binário”, por ser fundada na aplicação da pena em conjunto a medida de segurança.

Outro fator importante a ser abordado são as medidas de prevenção, admitidas na Itália pela legislação de Sabóia, a qual era dedicado aos ociosos, vagabundos, mendigos e diversas pessoas suspeitas. Aqui o ócio e a vagabundagem eram considerados como crimes e punidos com relegação ou pena.

Necessário dizer que, o sistema de medidas de prevenção previstas pela lei de 1956 para pessoas perigosas foi desenvolvido mediante a Lei Anti- Máfia 575/65, e a Lei Reale 152/75.

A autoridade de segurança pública, cuida da manutenção da ordem pública, e a segurança dos cidadãos, sendo reservadas tais medidas a competência da policia.

Prossegue o autor ao tratar sobre o sistema penal de exceção abordar sobre emergência, na qual esta é a idéia do primado da razão de Estado sobre a razão jurídica, equivalendo a um principio normativo de intervenção punitiva.

Convém ressaltar a tese sustentada por Ferrajoli no qual o principio da razão de Estado é incompatível com a jurisdição penal entendida no contexto do Estado moderno de direito; de forma que, quando ela intervem, no direito penal de emergência, para condicionar formas de justiça ou orientar um concreto processo penal, não existe mais jurisdição, e sim arbítrio policialesco, repressão política do Estado a formas pré-modernas.

Assim a impossibilidade de sanar o contraste entre a razão de Estado e a razão jurídica depende da lógica sobre a qual as duas razões se baseiam e se sustentam.

Concluindo, uma nova função garantista do direito penal requer o abandono das formas de disciplina especial ou de exceção da tipologia criminal, como os institutos de direito processual e de polícia, exorbitando as funções auxiliares que à policia deveria competir.

Assim, as duas principais reformas seriam a reforma penitenciária e o novo código de processo penal.

Consequentemente, uma fundação garantista do direito penal eficaz tem como pressuposto fundamental a redefinição do horizonte axiológico da jurisdição.

Nesta esteira, o Poder Judiciário coligado com a soberania popular resultaria na garantia dos direitos fundamentais de todos, criando-se um sistema único integrado, para suportar a fase pré-procedimental da análise, articulação investigativa e processual, com a finalidade de identificar os novos caminhos investigativos a serem percorridos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O autor clama pela necessidade urgente de transformar o modelo atual de Garantismo. Isso dar-se-ia com profundas reformas no Código Penal Italiano, despenalizando crimes punidos com penas pecuniárias e reduzindo as penas de detenção vigentes.

O Estado democrático de direito, segundo aduz o autor se legitima quando protege de fato os interesses e direitos individuais de todos os cidadãos indistintamente.

As abordagens da obra partiram do pressuposto que o garantismo surgiu pelo descompasso entre a normatizaçao estatal e as práticas que deveriam estar nele fundamentadas. Quanto ao aspecto penal, Ferrajoli destaca que as atuações administrativas e policias estão em desajuste em relação aos preceitos estabelecidos nas normas estatais, criando-se assim uma divergência entre a normatividade e a efetividade.

REFERÊNCIAS

BOBBIO, Norberto. A era dos Direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

BOBBIO, Norberto. Da estrutura à função. São Paulo: Manole, 2007.

CRUZ, Paulo Márcio. Princípios Constitucionais e Garantias Fundamentais. Curitiba: Juruá, 2007.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão. Teoria do Garantismo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

SILVA, José Geraldo da. O inquérito policial e a policia judiciária. 4ª ed. Campinas. Millenium. 2002.

ROSA, Alexandre Morais da. Decisão Penal: A Bricolagem de significantes. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2006.

ROSA, Felippe Augusto de Miranda. Sociologia do direito: o fenônemo jurídico como fato social. Rio de Janeiro. 2001.


[1]Aluna Especial do Curso Pós Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica – CPJC/Univali.

Programa de Mestrado Acadêmico.

Disciplina de Política Criminal e Controle Social.

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